20 julho, 2013

Minha segunda vez na Indonésia - maio/2013 - Sobre divisores de águas (salgadas) na vida


Onda da vida




Estou na Indonésia, região de... Não posso escrever exatamente onde, por causa das pessoas, dos surfistas, do crowd. Acabo de ler três textos do livro “Outras Ondas”, do jornalista Fred D’Orey, no capítulo da Indonésia. Livro que o Cris, meu anfitrião, carioca que largou o Brasil para buscar ondas perfeitas, paz, razão para viver, me deu de presente.

Resolvo, de novo, escrever porque isso se tornou parte da minha profissão, porque dizem que “escrevo bem”, porque desconfio que talvez essa seja a minha “arte”. Leio os textos do D’Orey e fico meio “bolado”. Além do estilo na escrita, o cara é bonito, ótimo surfista, carioca da zona sul, rico de berço, conhece muito bem a Indonésia (entre outros muitos cantos) e fala nos seus textos o que a gente -- nós surfistas -- sentimos, ou, o que gostaríamos de saber, de já ter vivido, sacado. Experiência, vivência. Ter dinheiro ajuda, mas não garante.

O fato é que eu pirei nos textos, no meio dessa vilazinha paradisíaca, depois de pegar, dia após dia, a sessão de surfe da minha vida. E me deu vontade de dizer: “D’Orey, eu também estou aqui!”. Que sou mais um apaixonado pelo surfe e suas consequentes experiências. Do grupo que tem disposição pra encarar o que para muitos é considerado roubada, para achar ondas perfeitas, sem crowd (e achei!). Algo como: “Sou do time!”. Mas..., te pergunto, olhando no espelho: "E aí?!". E respondo: E aí, nada! Isso não tem importância pra ninguém, só pra mim!


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Em algum lugar da Indonésia

Não posso confundir as coisas. Demorei quatro dias pra chegar aqui. Parcelei a passagem, “larguei” a namorada nas minhas férias anuais, por 21 dias, pra dormir numa barraca de camping na varanda do Cris. Fazendo cocô no toillet indonésio, isto é, num buraco (agora entendo, de fato, porque só se dá a mão direita aqui e em outros países onde esse hábito de cagar de cócoras é comum). Comendo arroz com ovo e legumes (porque chegamos junto com o swell, sem tempo pra pescar), sem pentear o cabelo e fazer a barba, porque aqui a imagem não é nada, e a busca pelos tubos, no plural, é tudo (ontem, peguei o primeiro tubo na Indonésia e essa é a minha segunda viagem para o país dos tubos – muita gente acha que vir pra cá é uma garantia de pegar tubos, mas já vi, e ouvi de alguns bons surfistas, que não é bem assim que a banda toca). Estamos na frente da praia linda de areias brancas e mar turquesa. Num canto, uma esquerda, mais pro lado, uma direita, com um canal no meio. Ondas bem rápidas, que devem ter seus dias, mas que raramente foram surfadas e provavelmente ainda não foram batizadas.



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Pois é, não sou um bom surfista, só peguei um tubo, de verdade mesmo, aqui. De novo: E aí?! Mais uma vez, isso só importa pra mim. Meu único tubo teve grandes honras. Foi visto, do canal, pelo coroa que mais pega tubos no pico. Ele me parabenizou, disse que fiz tudo certo, comemorando comigo o fato de eu ter tido a chance de ver essa onda como ela é, em todo seu potencial. Marquei ponto! "Foco no resultado!", como dizem os meus amigos, hoje quarentões, mais fissurados em surfe (a próxima viagem deles será para o México). Tenho a tendência a não concordar com essa coisa do "foco no resultado". Como já falei, acho que isso tudo só importa pra mim, mesmo que ninguém tivesse visto a tal onda. Aliás, como sempre aconteceu com as minhas melhores ondas, que ninguém viu ou fotografou, mesmo estando junto com os amigos e até às vezes com gente na areia fotografando. Como se eu não tivesse feito o que fiz. Ah, se eu tivesse, nessa época, a consciência da importância, especialmente pessoal, desses momentos...





Essa é a minha trajetória, meu caminho, minha experiência nessa vida. Vida em que o surfe, desde 1984 (30 anos em 2014!), quando no Natal ganhei a primeira prancha, tem enorme importância, fazendo parte dos meus pensamentos diariamente, com grande influência nas minhas amizades, estilo de vida, escolhas e até onde pago meu aluguel, depois que, finalmente, me tornei um adulto independente.

Estou, neste momento, na varanda dessa casa simples, de frente para o tal canal, com uma onda anônima de cada lado, num lugar ainda sem crowd, em plena Indonésia. Tomando café brasileiro, que trouxe de presente pro Cris, pitando um gudanzinho original.

Divido as caídas aqui com caras que estão quase na terceira idade. Estou aqui pelos mesmos motivos que eles. Somos do mesmo time. O mesmo dos D'Oreys, dos Bocões, dos Júlios, sei lá mais de quem, mas como já expliquei, isso não importa!

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Volto a esse texto, depois de alguns dias. Minha cama na varanda ficou mais confortável. Usar o toillet indonésio ficou mais tranquilo. Achar o caminho de casa na noite escura de céu mais estrelado igual ao de Martins de Sá também. Agora eu sei os caminhos. Porque o ser humano tem a incrível capacidade de se adaptar. E, além disso, temos o poder de escolha, no mínimo optando pela trilha positiva ou pela negativa; pela covardia ou pela bravura de viver; pelo bem ou pelo mal. Definitivamente, ainda que passe por buracos e, às vezes, me sinta perdido, escolho o caminho do bem, o positivo. E viagens como essa, que felizmente escolhi fazer, só reafirmam e potencializam esse jeito de viver.




Passo aqui, durante o dia, diversas situações que me dão a certeza, aliada a toda a minha história, de que tudo vai dar certo, de um jeito ou de outro (preciso me lembrar disso nos momentos de crise!). Mas que tem um jeito especial e específico, único, onde incluímos em nossas vidas a chance de surfar ondas perfeitas e sem crowd, convivendo e aprendendo com pessoas incríveis, algumas ainda não contaminadas pelo surto das coisas capitalistas. Tudo me ensinando, no fundo, apenas uma coisa: Que o seu caminho é só seu! Só interessa a você! E que, seja ele qual for, a tendência natural é positiva. Seguir o caminho negativo, triste, do mal, às vezes é necessário, mas requer um esforço, nocivo, maior do que se deixar levar pelas coisas boas da vida, rumo ao que conhecemos como felicidade, serenidade, paz de espírito, aceitação.

Portanto, essa viagem aqui, apesar de ser uma "surf trip", vai muito além das ondas! Ainda que finalmente pegar um tubo na Indonésia faça toda a diferença, me dando mais segurança de que estou no caminho certo, de que realmente estou onde deveria estar. E, ainda, que o desejo de aumentar a quilometragem dentro dos canudos naturais de água salgada (um manto sagrado) esteja maior e mais vivo do que nunca! Ver os "velhinhos" aqui dropando morras e pegando tubos me dá o sinal de que muito ainda está por vir. Muito de bom, em todos os sentidos.

Finalizo o texto em Bali, sentado numa cadeira de praia em Seminyak, sendo interrompido insistentemente por vendedores e massagistas, tatuadores de rena e até pedintes, depois de ter tido a chance de assistir a uma tradicional rinha de galos, num terreno baldio entre os hotéis luxuosos e "chiques" dessa parte do país. Ainda é possível ser o único "gringo" num dos lugares com mais turistas na Indonésia. Impressionante? Talvez. Ganhei 15 dólares escolhendo, duas vezes seguidas, galos vencedores.


Até a próxima!

PS: Não posso deixar de mencionar que no Dia das Mães, 12 de maio, lá nessa vilazinha, fiquei sabendo que me tornaria pai, que a mamãe já estava com oito semanas de gravidez, e, horas depois, fiquei sabendo que são dois! Tive a chance de felicitar a mamãe, ainda apavorada com a surpresa, e a de ir surfar mais algumas vezes nesse paraíso mentalizando os meus filhos que chegam, se os Deuses quiserem, em dezembro!

Saravá!