Publico agora o texto, na íntegra, que escrevi à pedido da Revista Fluir sobre Itacoatiara, para a edição de maio de 2008. Eles pediram para falar de Itacoatiara hoje! Eu até argumentei e tentei que fosse possível escrever um apanhado histórico sobre o lugar, com fotos da década de 40 em diante. Mas esse não era o objetivo da revista. Sei que tem gente achando que eu deixei de falar de pessoas importantes. Normal. Impossível agradar a todos e igualmente inviável falar de todo mundo que eu julgo importante para o surfe na amada Itacoá. A matéria publicada sofreu cortes e edição, o que é normal. Por exemplo, eu escrevo surfe em português: surfe. Assim como Havaí, Taiti etc. Eles preferem a grafia em inglês, e isso foi modificado. Tudo bem. O meu primeiro parágrafo foi retirado do texto. Tudo bem também. Quem quiser, pode ler tudo o que eu escrevi logo abaixo.
Adianto que fiquei muito orgulhoso em ser procurado pela Fluir para escrever tal matéria. Um sonho tardiamente realizado, que chegou num momento onde vejo a mídia especializada em surfe com olhos bem críticos, em uma fase da vida que agradeço por não ter seguido com a dedicação ao trabalho jornalístico específico com o surfe. E também num momento em que acho (já há alguns anos) que a mídia especializada em surfe está muito abaixo do que poderia ser, com conteúdo fraco e pouca criatividade.
Como resultado dos comentários que eu escutei e soube por outras pessoas, o público que gosta de surfe e frequenta Itacoá achou que a matéria deixou à desejar em termos de fotos. Eu concordo. Ainda falta uma reportagem sobre surfe e Itacoatiara a mostrar o verdadeiro astral do pico, seus verdadeiros momentos, ainda que esporádicos. Fico a imaginar que se as 10 ou 15 melhores imagens que estão expostas no bar Le Virgílio, produzidas pelo fotógrafo André Cyriaco, fossem publicadas, a matéria ficaria melhor, mais bonita e fiel, sem tirar o mérito dos outros fotógrafos, que também têm imagens espetaculares do pico. Bruninho Santos comentou que a foto dele, inclusive, já havia sido utilizada pela mídia especializada em surfe (não sei se exatamente na Fluir).
Enfim, atenção revistas de surfe, como ainda vai demorar para que a Fluir faça um novo "dossiê" sobre Itacoatiara, o espaço está aberto para que alguém faça um retrato, que seja fotográfico, ainda mais fiel e real e desbundante do pico. Existe espaço pra isso, algo que segue sem ninguém ter feito. Fica aí a sugestão!
Por fim, menciono que a minha reportagem perdeu a atualidade logo que foi publicada, e isso foi ótimo! Tatuí era o único niteroiense a vencer um WCT. Logo depois da matéria ser publicada (e enquanto ela era produzida, inclusive com a colaboração do depoimento do próprio BS), nosso Bruninho Santos colocou o Brasil no topo do pódio no Taiti, sendo, agora, o segundo niteroiense a vencer um WCT. Parabéns Bruninho, melhor tube rider brasileiro! Parabéns, Itacoá, uma das três mais pesadas ondas do Brasil!
E tem gente na Fluir que não consegue engolir o Bruninho, insistindo em lhe tirar as honras e os méritos dessa conquista. Vai custar até que outro brasileiro faça o que o Bruninho Santos já fez nas ondas mais temidas do circuito mundial de surfe, colocando o Brasil em uma posição desafiadora no mundo do surfe profissional, e no surfe de verdade, independente de competição. Quem foi o último, quem Bruninho ultrapassou? Talvez Valdir Vargas...
Tá faltando um Julio Adler escrevendo em uma grande publicação específica em surfe no Brasil! Estão querendo fazer as vezes do cara que escreve o blog goiabada.blogspot.com na Fluir, mas não está dando. Parodiando, pra não dizer copiando idéias, tá faltando água salgada na orelha e nas sobrancelhas dessa galera que tenta levar a produção de informações sobre surfe como uma profissão. Faltando água salgada no conteúdo e no profissionalismo.
Segue a matéria que foi escrita para a Revista Fluir, na íntegra, logo abaixo.
Críticas, sugestões e, principalmente, troca de idéias são muito bem vindas, de preferência com camaradagem e educação! Mas pode vir sem também...
Até!
Claudio da Matta
Revista Fluir - Matéria: Itacoatiara
Sugestão de títulos: Por que Itacoatiara?!
A mística de Itacoatiara – camaleoa - pedaço de areia em constante mutação
Em Tupi Guarani: Ita-pedra, coatiara-riscada. Itacoatiara: Pedra Riscada!
Itacoatiara, praia famosa pelo peso de suas ondas e por alguns dos seus surfistas. Verdadeiro pedaço de paraíso, conhecido como uma das praias mais belas do mundo. Perigosa! Celeiro de tube riders que têm o treino do posicionamento para o surfe por dentro da onda, o tubo, como uma prática comum do dia-a-dia. Na maioria das caídas com ondas o mínimo surfáveis, na altura da cintura, é possível surfar um tubo em Itacoatiara, ou pelo menos treinar um drop rápido e a colocação correta para esse momento, o mais aguardado e desejado por todos que pegam onda.
Itacoá, para os íntimos, começou a ser freqüentada por volta de 1940, cerca de uma década depois que a roça de bananas, que ocupava o que hoje é o bairro, foi vendida, sendo depois loteada. Um dos então donos de boa parte do espaço, o alemão Mathias Sandri costumava entrevistar os interessados em comprar um pedaço de terra no paraíso perdido - com uma das ondas mais pesadas do país - para checar se o indivíduo tinha ou não condições sociais e econômicas para o negócio. Independente da opinião que se tenha em respeito a essa atitude, a iniciativa contribuiu para que hoje o bairro possua uma grande concentração de renda, casas desenhadas por arquitetos famosos, ruas com nomes de plantas e flores e uma certa organização e controle que dão segurança ao pico e impedem, mas não evitam completamente, a sua degradação. Feliciano Francisco, avô do bodyboarder e big rider, Dudu Pedra, dividia a propriedade das terras de Itacoatiara com Sandri. Eles provavelmente não tinham idéia do glamour que o lugar teria em poucos anos de ocupação, sendo hoje o lugar mais valorizado da cidade para se morar.
Itacoatiara é famosa, mas relativamente pouco conhecida pelos surfistas brasileiros e pouco retratada pela grande mídia especializada. A autoria deste texto e a maioria das fotos publicadas nessa matéria foram feitas por niteroienses, todos apaixonados por esse pedacinho de aproximadamente 800 metros da costa brasileira.
Praticamente a única opção de surfe em Niterói, a praia fica geograficamente, em termos surfísticos, a cerca de uma hora e meia, ao norte, da Prainha, no Rio, e quase o mesmo tempo, ao sul, de Itaúna, em Saquarema (o trânsito pode aumentar essa “distância temporal”). A fama de Itacoatiara se propaga pela boca dos que se arriscam a uma ida até lá e acabam pegando, ou vendo, ondas pouco comuns para os padrões brasileiros em termos de força, rapidez e formação tubular. Alguns voltam sempre ou dão a dica aos amigos. Outros contam com o privilégio de informantes camaradas locais e não perdem a oportunidade. E tem uma galera seleta que só vem atrás das maiores, como Evaristo, que venceu com uma onda fotografada por lá o prêmio Greenish da maior onda surfada, na remada, no Brasil, com uma morra de 12 pés, em 2006; e Eraldo Gueiros, que já pegou mares cabulosos com o parceiro Carlos Burle entre a montanha do Costão (ao norte) e o morro das Andorinhas (ao sul). “Em Itacoatiara eu peguei um swell gigante, em 2006, com ondas de 12 pés, buraco, na beira da praia, difícil até com o jet ski. É a onda mais punk, ainda mais que Saquá”, testemunha Eraldo, que dispensa maiores apresentações e tem autoridade para falar de ondas pesadas.
As pratas da casa
Alguns surfistas locais também ajudaram a deixar Itacoatiara mais famosa ao redor do mundo, com atuações marcantes em ondas pesadas e tubulares, ou até mesmo em valas mais enroscadas em outros continentes. Uma noção de alguns dos feitos registrados na história por surfistas profissionais vindos de Itacoatiara pode ser dada por Ricardo Tatuí, (cria também da Itapuca, raro e perfeito point break da cidade, que fica dentro da Baía de Guanabara) único niteroiense a vencer uma etapa do WCT, na França, em 1994, uma entre tantas outras conquistas dele.
Com uma carreira sólida construída com cerca de uma década na elite do Circuito Mundial, Guilherme Herdy, no ano 2000, só não surfou melhor do que o australiano Luke Egan, no WCT de Tavarua, em Fiji, essa sim, uma onda pesada e tubular. Branquelo, apelido antigo do moleque que curtia competir, e vencer, nas etapas da Associação de Surfe de Niterói, também mostrou manha em Pipeline, terminando na terceira colocação numa ocasião de ondas pequenas, em 1996 (ele também já foi o quinto colocado lá, em 2000!). Sem falar no domínio dos tubos na Cacimba do Padre, em Fernando de Noronha, a cada edição do Hang Loose Pro Contest, onde foi o campeão do evento inaugural na ilha, também no iluminado ano 2000. Além de todas as alegrias e orgulho que Herdy deu aos brasileiros em atuações sempre respeitadas pela comunidade internacional do surfe, como a vitória, em 1996, do Grand Slam australiano, somando o maior número de pontos entre todos os competidores em duas provas do WQS e uma do WCT, feito até então conquistado por apenas outros dois surfistas não australianos: Curren e Slater. A marca de Itacoatiara está no surfe do Guilherme, “surfar em Itacoatiara ajudou na minha adaptação em ondas como Pipeline, Teahupoo e Cloudbreak”, confirma Herdy. Bruninho Santos, que durante a produção deste texto estava competindo na Austrália, é o discípulo (de Itacoatiara) com mais destaque, depois da saída de Herdy do WCT. As atuações do BS em Pipeline, com dois vice-campeonatos seguidos em triagens para o Pipe Masters, de 2004 e 2005, competindo e vencendo basicamente locais havaianos (Tamayo Perry foi um deles) e estrelas do surfe mundial (como Occy e Fanning, por exemplo) mostram o que ele, na prática, começou a aprender em Itacoatiara. Por e-mail, direto da Austrália, ele comenta sobre o lugar onde aprendeu a surfar: “Itacoatiara é a minha onda favorita e na minha opinião é a mais forte do Brasil”. “É a melhor escola para quem quer surfar bem ondas pesadas e tubulares. Mesmo sendo um beach break, o jeito que a onda quebra e dobra na bancada é muito parecido com várias ondas famosas”, diz Bruninho. Mesmo, ainda, sem a classificação para a elite, BS já mostrou que tem surfe para tal, aproveitando as oportunidades e conquistando na raça a chance de apresentar sua técnica em algumas etapas do WCT. Como nas pesadas ondas da etapa chilena, em 2007, quando terminou na quinta colocação. Além de também ter competido contra os melhores nos cilindros de Teahupoo, no Taiti. “Bruninho deveria encarar o WQS com a determinação necessária, porque o surfe dele combina com as ondas do WCT”, opina Herdy sobre o “garoto”. Como foi reportado pela edição de março da Fluir, além de ser considerado pelos leitores como o segundo melhor surfista brasileiro do ano passado, Bruno ainda foi o campeão do prêmio Greenish por ter sido fotografado na maior onda, no Brasil (em Itacoá!), durante a temporada 2007/08, numa bomba estimada em 15 pés. Evaristo disputou o prêmio, defendendo o título, com mais uma foto feita por lá. E o local, tube e big rider, Rafinha Curi, também tinha uma morra inscrita, além de Beg Rosemberg e Beckinho, crias da terra. Tudo isso para tentar explicar que, apesar de certa inconstância, surfar em Itacoatiara, além de quebrar muitas pranchas, é um bom treino para ondas “de verdade”. Entre as mulheres, a esforçada Juliana Guimarães faz uma bonita carreira no surfe profissional feminino, tendo sido vice-campeã brasileira profissional, nos anos de 1999 e 2001, e a sexta melhor surfista do Brasil no ano passado. Augusto Saldanha, no pranchão, é bicampeão brasileiro na modalidade. Muitos outros feitos dos surfistas de Niterói poderiam ser mencionados, e outros surfistas, independente do nível de envolvimento com o surfe profissional deveriam ser, merecidamente, citados, pela sua atuação nas ondas do pico, mas, o tema central da matéria desta vez é ela: Itacoá!
Por que tão forte?
“Itacoatiara tem um tipo de onda que só se encontra na Cacimba, e não é tão rara quanto as pessoas acham. O fundo muda muito e muito rápido. É uma onda que proporciona tamanho, tubos e manobras” – Ricardo Bocão
Entre os fatores que explicam as características da onda de Itacoatiara está a brusca diferença de profundidade do mar próximo à praia, permitindo que a ondulação chegue com sua energia acumulada na hora de quebrar na bancada. Virada de frente para o quadrante sul/sudoeste, ela fica aberta para a entrada das frentes-frias. A ondulação chega e é afunilada entre as montanhas de pedra, chegando na praia geralmente em forma de triângulo, com sua energia ainda mais comprimida. A porrada de uma merreca de Itacoá nas costas dói! Outra variável dessa equação, que diz respeito diretamente à formação da onda, é o fundo, constituído por um tipo de areia mais grosso, que se movimenta com muita facilidade, principalmente no sentido da praia. Por isso as melhores condições rolam depois que as ressacas geradas pelas frentes frias puxam o máximo possível da areia retida na praia, de preferência lambendo lá na restinga, ajeitando a bancada. Em seguida, elas vão perdendo a força, o mar vai alisando e cada um vai surfando a partir do seu limite, chance e vontade. O fundo varia muito rápido e, por isso, as ondas e o ambiente também. “Itacoatiara é igual ao camaleão que mora na restinga, está sempre em constante mudança. O legal de lá é que a praia é extremamente fotogênica, com uma grande variedade de posição da luz, cor da água e tamanho das ondas, um verdadeiro estúdio fotográfico”, diz o fotógrafo André Cyriaco, 40 anos. Surfista, antes de se tornar fotógrafo, André já conquistou os títulos de todas as categorias da Associação de Surfe de Niterói, na maioria das vezes competindo lá mesmo, já que os campeonatos municipais (promovidos pela ASN ininterruptamente desde 1980!) costumavam variar de praia, acontecendo às vezes em Piratininga ou mesmo na Itapuca.
Como é Itacoatiara?
Quem vai à Itacoatiara poucas vezes durante o ano ou foi lá dar “um confere” num dia qualquer, de ondas buraco e fechando, não compreende o por quê da fama de ondas pesadas, tubulares e muitas vezes perfeitas. Nem tão pouco alcança a explicação para o surgimento dos Guilhermes, do Ricardo, do Bruno... É que, na realidade, Itacoá não dá onda boa o ano todo. Se a Natureza não fosse soberana poderíamos dizer que Itacoatiara é linda e sedutora, mas muitas vezes ingrata. Principalmente com seus surfistas locais, amantes fiéis. “A gente vai lá quase todo dia, na esperança de ondas boas, o que às vezes pode acontecer durante um curto período do dia, numa condição específica do fundo, da direção da ondulação e da maré”, confessa Guilherme Sodré, o mais novo integrante do time de surfistas profissionais que chamam Itacoá de “casa”. Guilherminho engrossa o time de Niterói no Super Surf 2008, com Bruninho e Herdy. Três atletas na elite nacional do surfe, uma boa média para a cidade de Niterói.
Segundo Cyriaco, 2007 foi um dos melhores anos dos últimos tempos para o surfe em Itacoatiara, com muita onda grande e boa luz para o registro fotográfico. Ele lembra, entre tantos outros, de dois dias especiais, o primeiro em abril: “todas as ondas davam tubos para esquerda, com dois metros e uma água de lembrar o Havaí”. Meses depois, em novembro, ele comenta de outra ocasião, em que os tubos vinham todos para direita e a água estava verde, parecendo com a África do Sul.
“Itacoatiara é uma praia interessante porque, a exemplo de Noronha e do Havaí, ela tem surfe por temporada, que vai de abril/maio até mais ou menos novembro”, diz Guilherme Herdy. Logo depois que a Fluir deu sinal verde ao André para a produção desta matéria, teve um dia clássico, especial, em que o mar contrariou as previsões climáticas e, de surpresa, numa terça-feira qualquer, deu ondas de 6 a 8 pés que proporcionaram mais uma vez o clima havaiano na praia niteroiense. Cyriaco estava lá e as fotos estão aqui: “Foram duas horas de surfe, porém, estava clássico, com Guilherme Herdy, Bruninho, Guilherme Sodré e os free surfers locais, Amir e Erick pegando altas”. Nesse dia, BS quebrou três pranchas.
O início da temporada 2008 e algumas preocupações ambientais
O verão 2007/08 passou, o que para quem pretende surfar em Itacoatiara é bom. A entrada das frentes-frias fica mais constante e a temporada “Itacoá 2008” é inaugurada depois que chega o primeiro swell capaz de começar a puxar toda aquela areia acumulada. Provavelmente, esse trabalho está mais difícil por causa da passagem diária de um trator catador de lixo pela praia, um verdadeiro atropelador e assassino de marias-farinhas. Não existe confirmação científica, mas o trator da prefeitura assusta. Quem tem a obrigação de retirar o lixo é quem o produziu (os freqüentadores e comerciantes locais) e deveria levá-lo até o local apropriado, o latão de lixo, que deve ficar longe da praia, sendo posteriormente recolhido pela companhia de lixo ou algo parecido. O trator é acusado por surfistas locais de estar dificultando o trabalho do mar na “construção” dos bons fundos para o surfe, além de estar ajudando a enterrar o lixo pequeno, como tampas de garrafa e pontas de cigarro, que escapam às garras da máquina.
A falta de infra-estrutura do bairro que concentra o supra sumo da elite niteroiense, que, além de ter uma praia, só tem uma entrada e uma saída, é um dos problemas identificados por Guilherme Herdy. “Apesar da beleza mundialmente conhecida, Itacoatiara não tem banheiros públicos”, denuncia Branquelo. É preciso que se defina qual é a prioridade em termos de preservação em Itacoatiara: a natureza e o seu desenvolvimento sustentável ou a privacidade dos moradores. Uma série de ações está sendo colocada em prática para preservar o ambiente natural do bairro, algo que merece a atenção e a fiscalização de quem gosta de freqüentar o lugar. Itacoatiara é uma praia que ainda tem restinga, vegetação importante não só para o equilíbrio ambiental do pico e permanência de suas ondas, mas fundamental para que o mar não avance pelo bairro, derrubando as casas que ficam de frente para o mar. Outra praia da cidade, Piratininga, também dava boas ondas. Isso ficou muito raro depois que uma obra de urbanização não respeitou a vegetação da restinga, que não existe mais. Hoje, em grande parte de Piratininga, criou-se um abismo entre o calçadão e a praia, e o surfe foi praticamente aniquilado. A ONG Preamar luta pela construção de um arrecife artificial por lá, algo que, além de proporcionar ondas perfeitas, pode revitalizar o bairro, social e economicamente.
Nova Geração
Para Guilherme Herdy, as novas safras de surfistas saídos de Itacoatiara surgem quando os garotos estão com cerca de 14 anos. Talvez isso aconteça justamente pelo tamanho e força das ondas, mais difíceis para a criançada. Com o trabalho da Associação de Surfe de Niterói nos últimos anos, uma nova geração de surfistas da cidade vem despontando no cenário competitivo amador. Como atualmente as etapas da ASN são realizadas em Itacoatiara, essa molecada vai se familiarizando com o pico. Em 2007, Danilo Souza foi o campeão estadual Pré-petit; e Matheus Rodrigues foi o campeão na Petit, com Luca Nolasco terminando com a terceira posição no ranking estadual da categoria. A associação municipal de surfe, fundada em 1980 e liderada por surfistas da cidade vem fazendo um trabalho específico com as categorias de base, promovendo competições fechadas para os pequenos surfistas de Niterói. Tatuí, Guilherme Herdy, Sodré, Bruninho etc. vieram daí! Há 28 anos a ASN promove o seu circuito de surfe! Esse é um fato que conta com a contribuição de muitos surfistas, alguns que já estão fora d’água há um bom tempo, mas não deixam de estar em Itacoatiara, aproveitando o astral de uma das praias mais bonitas do mundo.
Isso é Itacoatiara!
Há décadas atrás, o localismo era uma marca da praia, mais um fator que fazia sua fama, uma combinação de surfe pesado com localismo violento. Muitas vezes, essa prática acontecia contra os próprios niteroienses, não residentes no bairro. O escrito “FORA HAOLES”, por muitos anos estampado na pedra do Costão, no canto esquerdo da praia, e divulgado em fotos ao redor do país, foi se apagando. O localismo de Itacoá foi se modificando com o tempo, com a transformação de uma cidade provinciana em franco aumento populacional. Em termos gerais, a fama do localismo como uma prática saudável que justificava o desrespeito também foi perdendo força. Pelo menos essa semelhança com o Havaí Itacoá não tem mais. Hoje, são considerados locais os niteroienses que conhecem, cuidam e gostam de surfar no pico, sem é claro tirar o mérito de alguns que realmente têm a praia como o quintal de suas casas, o que é um verdadeiro privilégio. O amor por Itacoatiara ultrapassou os limites do bairro, as barreiras do localismo e até mesmo o surfe. Itacoatiara é uma espécie de amuleto de um grande número de niteroienses, surfistas ou não, amantes dos esportes do mar ou apenas jogadores de futebol de areia no meio da praia. Ou, simples banhistas. Famosa é também a concentração de mulheres bonitas por metro quadrado de areia, uma unanimidade, mesmo para os que estão torcendo o nariz para quem acha que Itacoatiara está entre as duas ou três mais pesadas ondas do Brasil. Ricardo Bocão, que conheceu Itacoatiara na década de 70, por causa das competições, diz que, nos anos 60 o surfe rolava no Arpoador e, no início dos 70, surgiu o Píer de Ipanema, que funcionou por aproximadamente três anos. “A onda do píer era bem mais forte e cavada do que a onda do Arpoador e acabou por funcionar como um treino para o surfe em lugares como o Havaí, mas a onda de Itacoatiara é ainda mais forte do que a do píer”, afirma o big rider e colunista da Fluir, profundo conhecedor do surfe brasileiro.
“Isso é Itacoatiara!”, ou, “Por isso a gente vem aqui todos os dias possíveis!”. Essas são algumas das frases que você escuta dentro d’água quando o mar está bom ou, às vezes, quando está clássico. Definitivamente, o que dá o contorno desta mística é o mar de sudoeste, quando a ondulação chega na diagonal em relação à praia, com aquela água translúcida e quente da corrente de sul, com o pico do Pampo entregando a cada série direitas muito fortes, em triângulo, atrás da pedra, ali no canto direito, manobráveis e tubulares. Uma pista que seria certamente apreciada pelos melhores surfistas do mundo. Essa é a mágica. Bruninho acha até complicado falar de Itacoatiara, “porque é a minha onda preferida e mesmo quando eu estou na Indonésia ou no Taiti e algum amigo diz que Itacoatiara está clássico, a minha vontade é de voltar na hora! Só quem já surfou lá nos dias realmente clássicos sabe o que estou falando”. Isso é Itacoatiara!
A experiência de conseguir aproveitar por seguidas vezes as direitas do Pampo (de sudoeste é claro); as ondas “buraco” do “meio da praia” (com direitas e esquerdas) ou as esquerdas do Costão, no canto esquerdo, ainda que isso exija uma boa freqüência, é o que torna um surfista aficionado. Para não dizer completamente apaixonado por Itacoatiara. Nunca é amor à primeira vista. Surfar em Itacoá não é assim tão simples, há que se pegar o jeito.
Mas é amor verdadeiro, pra vida toda.
Adianto que fiquei muito orgulhoso em ser procurado pela Fluir para escrever tal matéria. Um sonho tardiamente realizado, que chegou num momento onde vejo a mídia especializada em surfe com olhos bem críticos, em uma fase da vida que agradeço por não ter seguido com a dedicação ao trabalho jornalístico específico com o surfe. E também num momento em que acho (já há alguns anos) que a mídia especializada em surfe está muito abaixo do que poderia ser, com conteúdo fraco e pouca criatividade.
Como resultado dos comentários que eu escutei e soube por outras pessoas, o público que gosta de surfe e frequenta Itacoá achou que a matéria deixou à desejar em termos de fotos. Eu concordo. Ainda falta uma reportagem sobre surfe e Itacoatiara a mostrar o verdadeiro astral do pico, seus verdadeiros momentos, ainda que esporádicos. Fico a imaginar que se as 10 ou 15 melhores imagens que estão expostas no bar Le Virgílio, produzidas pelo fotógrafo André Cyriaco, fossem publicadas, a matéria ficaria melhor, mais bonita e fiel, sem tirar o mérito dos outros fotógrafos, que também têm imagens espetaculares do pico. Bruninho Santos comentou que a foto dele, inclusive, já havia sido utilizada pela mídia especializada em surfe (não sei se exatamente na Fluir).
Enfim, atenção revistas de surfe, como ainda vai demorar para que a Fluir faça um novo "dossiê" sobre Itacoatiara, o espaço está aberto para que alguém faça um retrato, que seja fotográfico, ainda mais fiel e real e desbundante do pico. Existe espaço pra isso, algo que segue sem ninguém ter feito. Fica aí a sugestão!
Por fim, menciono que a minha reportagem perdeu a atualidade logo que foi publicada, e isso foi ótimo! Tatuí era o único niteroiense a vencer um WCT. Logo depois da matéria ser publicada (e enquanto ela era produzida, inclusive com a colaboração do depoimento do próprio BS), nosso Bruninho Santos colocou o Brasil no topo do pódio no Taiti, sendo, agora, o segundo niteroiense a vencer um WCT. Parabéns Bruninho, melhor tube rider brasileiro! Parabéns, Itacoá, uma das três mais pesadas ondas do Brasil!
E tem gente na Fluir que não consegue engolir o Bruninho, insistindo em lhe tirar as honras e os méritos dessa conquista. Vai custar até que outro brasileiro faça o que o Bruninho Santos já fez nas ondas mais temidas do circuito mundial de surfe, colocando o Brasil em uma posição desafiadora no mundo do surfe profissional, e no surfe de verdade, independente de competição. Quem foi o último, quem Bruninho ultrapassou? Talvez Valdir Vargas...
Tá faltando um Julio Adler escrevendo em uma grande publicação específica em surfe no Brasil! Estão querendo fazer as vezes do cara que escreve o blog goiabada.blogspot.com na Fluir, mas não está dando. Parodiando, pra não dizer copiando idéias, tá faltando água salgada na orelha e nas sobrancelhas dessa galera que tenta levar a produção de informações sobre surfe como uma profissão. Faltando água salgada no conteúdo e no profissionalismo.
Segue a matéria que foi escrita para a Revista Fluir, na íntegra, logo abaixo.
Críticas, sugestões e, principalmente, troca de idéias são muito bem vindas, de preferência com camaradagem e educação! Mas pode vir sem também...
Até!
Claudio da Matta
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Revista Fluir - Matéria: Itacoatiara
Sugestão de títulos: Por que Itacoatiara?!
A mística de Itacoatiara – camaleoa - pedaço de areia em constante mutação
Em Tupi Guarani: Ita-pedra, coatiara-riscada. Itacoatiara: Pedra Riscada!
Itacoatiara, praia famosa pelo peso de suas ondas e por alguns dos seus surfistas. Verdadeiro pedaço de paraíso, conhecido como uma das praias mais belas do mundo. Perigosa! Celeiro de tube riders que têm o treino do posicionamento para o surfe por dentro da onda, o tubo, como uma prática comum do dia-a-dia. Na maioria das caídas com ondas o mínimo surfáveis, na altura da cintura, é possível surfar um tubo em Itacoatiara, ou pelo menos treinar um drop rápido e a colocação correta para esse momento, o mais aguardado e desejado por todos que pegam onda.
Itacoá, para os íntimos, começou a ser freqüentada por volta de 1940, cerca de uma década depois que a roça de bananas, que ocupava o que hoje é o bairro, foi vendida, sendo depois loteada. Um dos então donos de boa parte do espaço, o alemão Mathias Sandri costumava entrevistar os interessados em comprar um pedaço de terra no paraíso perdido - com uma das ondas mais pesadas do país - para checar se o indivíduo tinha ou não condições sociais e econômicas para o negócio. Independente da opinião que se tenha em respeito a essa atitude, a iniciativa contribuiu para que hoje o bairro possua uma grande concentração de renda, casas desenhadas por arquitetos famosos, ruas com nomes de plantas e flores e uma certa organização e controle que dão segurança ao pico e impedem, mas não evitam completamente, a sua degradação. Feliciano Francisco, avô do bodyboarder e big rider, Dudu Pedra, dividia a propriedade das terras de Itacoatiara com Sandri. Eles provavelmente não tinham idéia do glamour que o lugar teria em poucos anos de ocupação, sendo hoje o lugar mais valorizado da cidade para se morar.
Itacoatiara é famosa, mas relativamente pouco conhecida pelos surfistas brasileiros e pouco retratada pela grande mídia especializada. A autoria deste texto e a maioria das fotos publicadas nessa matéria foram feitas por niteroienses, todos apaixonados por esse pedacinho de aproximadamente 800 metros da costa brasileira.
Praticamente a única opção de surfe em Niterói, a praia fica geograficamente, em termos surfísticos, a cerca de uma hora e meia, ao norte, da Prainha, no Rio, e quase o mesmo tempo, ao sul, de Itaúna, em Saquarema (o trânsito pode aumentar essa “distância temporal”). A fama de Itacoatiara se propaga pela boca dos que se arriscam a uma ida até lá e acabam pegando, ou vendo, ondas pouco comuns para os padrões brasileiros em termos de força, rapidez e formação tubular. Alguns voltam sempre ou dão a dica aos amigos. Outros contam com o privilégio de informantes camaradas locais e não perdem a oportunidade. E tem uma galera seleta que só vem atrás das maiores, como Evaristo, que venceu com uma onda fotografada por lá o prêmio Greenish da maior onda surfada, na remada, no Brasil, com uma morra de 12 pés, em 2006; e Eraldo Gueiros, que já pegou mares cabulosos com o parceiro Carlos Burle entre a montanha do Costão (ao norte) e o morro das Andorinhas (ao sul). “Em Itacoatiara eu peguei um swell gigante, em 2006, com ondas de 12 pés, buraco, na beira da praia, difícil até com o jet ski. É a onda mais punk, ainda mais que Saquá”, testemunha Eraldo, que dispensa maiores apresentações e tem autoridade para falar de ondas pesadas.
As pratas da casa
Alguns surfistas locais também ajudaram a deixar Itacoatiara mais famosa ao redor do mundo, com atuações marcantes em ondas pesadas e tubulares, ou até mesmo em valas mais enroscadas em outros continentes. Uma noção de alguns dos feitos registrados na história por surfistas profissionais vindos de Itacoatiara pode ser dada por Ricardo Tatuí, (cria também da Itapuca, raro e perfeito point break da cidade, que fica dentro da Baía de Guanabara) único niteroiense a vencer uma etapa do WCT, na França, em 1994, uma entre tantas outras conquistas dele.
Com uma carreira sólida construída com cerca de uma década na elite do Circuito Mundial, Guilherme Herdy, no ano 2000, só não surfou melhor do que o australiano Luke Egan, no WCT de Tavarua, em Fiji, essa sim, uma onda pesada e tubular. Branquelo, apelido antigo do moleque que curtia competir, e vencer, nas etapas da Associação de Surfe de Niterói, também mostrou manha em Pipeline, terminando na terceira colocação numa ocasião de ondas pequenas, em 1996 (ele também já foi o quinto colocado lá, em 2000!). Sem falar no domínio dos tubos na Cacimba do Padre, em Fernando de Noronha, a cada edição do Hang Loose Pro Contest, onde foi o campeão do evento inaugural na ilha, também no iluminado ano 2000. Além de todas as alegrias e orgulho que Herdy deu aos brasileiros em atuações sempre respeitadas pela comunidade internacional do surfe, como a vitória, em 1996, do Grand Slam australiano, somando o maior número de pontos entre todos os competidores em duas provas do WQS e uma do WCT, feito até então conquistado por apenas outros dois surfistas não australianos: Curren e Slater. A marca de Itacoatiara está no surfe do Guilherme, “surfar em Itacoatiara ajudou na minha adaptação em ondas como Pipeline, Teahupoo e Cloudbreak”, confirma Herdy. Bruninho Santos, que durante a produção deste texto estava competindo na Austrália, é o discípulo (de Itacoatiara) com mais destaque, depois da saída de Herdy do WCT. As atuações do BS em Pipeline, com dois vice-campeonatos seguidos em triagens para o Pipe Masters, de 2004 e 2005, competindo e vencendo basicamente locais havaianos (Tamayo Perry foi um deles) e estrelas do surfe mundial (como Occy e Fanning, por exemplo) mostram o que ele, na prática, começou a aprender em Itacoatiara. Por e-mail, direto da Austrália, ele comenta sobre o lugar onde aprendeu a surfar: “Itacoatiara é a minha onda favorita e na minha opinião é a mais forte do Brasil”. “É a melhor escola para quem quer surfar bem ondas pesadas e tubulares. Mesmo sendo um beach break, o jeito que a onda quebra e dobra na bancada é muito parecido com várias ondas famosas”, diz Bruninho. Mesmo, ainda, sem a classificação para a elite, BS já mostrou que tem surfe para tal, aproveitando as oportunidades e conquistando na raça a chance de apresentar sua técnica em algumas etapas do WCT. Como nas pesadas ondas da etapa chilena, em 2007, quando terminou na quinta colocação. Além de também ter competido contra os melhores nos cilindros de Teahupoo, no Taiti. “Bruninho deveria encarar o WQS com a determinação necessária, porque o surfe dele combina com as ondas do WCT”, opina Herdy sobre o “garoto”. Como foi reportado pela edição de março da Fluir, além de ser considerado pelos leitores como o segundo melhor surfista brasileiro do ano passado, Bruno ainda foi o campeão do prêmio Greenish por ter sido fotografado na maior onda, no Brasil (em Itacoá!), durante a temporada 2007/08, numa bomba estimada em 15 pés. Evaristo disputou o prêmio, defendendo o título, com mais uma foto feita por lá. E o local, tube e big rider, Rafinha Curi, também tinha uma morra inscrita, além de Beg Rosemberg e Beckinho, crias da terra. Tudo isso para tentar explicar que, apesar de certa inconstância, surfar em Itacoatiara, além de quebrar muitas pranchas, é um bom treino para ondas “de verdade”. Entre as mulheres, a esforçada Juliana Guimarães faz uma bonita carreira no surfe profissional feminino, tendo sido vice-campeã brasileira profissional, nos anos de 1999 e 2001, e a sexta melhor surfista do Brasil no ano passado. Augusto Saldanha, no pranchão, é bicampeão brasileiro na modalidade. Muitos outros feitos dos surfistas de Niterói poderiam ser mencionados, e outros surfistas, independente do nível de envolvimento com o surfe profissional deveriam ser, merecidamente, citados, pela sua atuação nas ondas do pico, mas, o tema central da matéria desta vez é ela: Itacoá!
Por que tão forte?
“Itacoatiara tem um tipo de onda que só se encontra na Cacimba, e não é tão rara quanto as pessoas acham. O fundo muda muito e muito rápido. É uma onda que proporciona tamanho, tubos e manobras” – Ricardo Bocão
Entre os fatores que explicam as características da onda de Itacoatiara está a brusca diferença de profundidade do mar próximo à praia, permitindo que a ondulação chegue com sua energia acumulada na hora de quebrar na bancada. Virada de frente para o quadrante sul/sudoeste, ela fica aberta para a entrada das frentes-frias. A ondulação chega e é afunilada entre as montanhas de pedra, chegando na praia geralmente em forma de triângulo, com sua energia ainda mais comprimida. A porrada de uma merreca de Itacoá nas costas dói! Outra variável dessa equação, que diz respeito diretamente à formação da onda, é o fundo, constituído por um tipo de areia mais grosso, que se movimenta com muita facilidade, principalmente no sentido da praia. Por isso as melhores condições rolam depois que as ressacas geradas pelas frentes frias puxam o máximo possível da areia retida na praia, de preferência lambendo lá na restinga, ajeitando a bancada. Em seguida, elas vão perdendo a força, o mar vai alisando e cada um vai surfando a partir do seu limite, chance e vontade. O fundo varia muito rápido e, por isso, as ondas e o ambiente também. “Itacoatiara é igual ao camaleão que mora na restinga, está sempre em constante mudança. O legal de lá é que a praia é extremamente fotogênica, com uma grande variedade de posição da luz, cor da água e tamanho das ondas, um verdadeiro estúdio fotográfico”, diz o fotógrafo André Cyriaco, 40 anos. Surfista, antes de se tornar fotógrafo, André já conquistou os títulos de todas as categorias da Associação de Surfe de Niterói, na maioria das vezes competindo lá mesmo, já que os campeonatos municipais (promovidos pela ASN ininterruptamente desde 1980!) costumavam variar de praia, acontecendo às vezes em Piratininga ou mesmo na Itapuca.
Como é Itacoatiara?
Quem vai à Itacoatiara poucas vezes durante o ano ou foi lá dar “um confere” num dia qualquer, de ondas buraco e fechando, não compreende o por quê da fama de ondas pesadas, tubulares e muitas vezes perfeitas. Nem tão pouco alcança a explicação para o surgimento dos Guilhermes, do Ricardo, do Bruno... É que, na realidade, Itacoá não dá onda boa o ano todo. Se a Natureza não fosse soberana poderíamos dizer que Itacoatiara é linda e sedutora, mas muitas vezes ingrata. Principalmente com seus surfistas locais, amantes fiéis. “A gente vai lá quase todo dia, na esperança de ondas boas, o que às vezes pode acontecer durante um curto período do dia, numa condição específica do fundo, da direção da ondulação e da maré”, confessa Guilherme Sodré, o mais novo integrante do time de surfistas profissionais que chamam Itacoá de “casa”. Guilherminho engrossa o time de Niterói no Super Surf 2008, com Bruninho e Herdy. Três atletas na elite nacional do surfe, uma boa média para a cidade de Niterói.
Segundo Cyriaco, 2007 foi um dos melhores anos dos últimos tempos para o surfe em Itacoatiara, com muita onda grande e boa luz para o registro fotográfico. Ele lembra, entre tantos outros, de dois dias especiais, o primeiro em abril: “todas as ondas davam tubos para esquerda, com dois metros e uma água de lembrar o Havaí”. Meses depois, em novembro, ele comenta de outra ocasião, em que os tubos vinham todos para direita e a água estava verde, parecendo com a África do Sul.
“Itacoatiara é uma praia interessante porque, a exemplo de Noronha e do Havaí, ela tem surfe por temporada, que vai de abril/maio até mais ou menos novembro”, diz Guilherme Herdy. Logo depois que a Fluir deu sinal verde ao André para a produção desta matéria, teve um dia clássico, especial, em que o mar contrariou as previsões climáticas e, de surpresa, numa terça-feira qualquer, deu ondas de 6 a 8 pés que proporcionaram mais uma vez o clima havaiano na praia niteroiense. Cyriaco estava lá e as fotos estão aqui: “Foram duas horas de surfe, porém, estava clássico, com Guilherme Herdy, Bruninho, Guilherme Sodré e os free surfers locais, Amir e Erick pegando altas”. Nesse dia, BS quebrou três pranchas.
O início da temporada 2008 e algumas preocupações ambientais
O verão 2007/08 passou, o que para quem pretende surfar em Itacoatiara é bom. A entrada das frentes-frias fica mais constante e a temporada “Itacoá 2008” é inaugurada depois que chega o primeiro swell capaz de começar a puxar toda aquela areia acumulada. Provavelmente, esse trabalho está mais difícil por causa da passagem diária de um trator catador de lixo pela praia, um verdadeiro atropelador e assassino de marias-farinhas. Não existe confirmação científica, mas o trator da prefeitura assusta. Quem tem a obrigação de retirar o lixo é quem o produziu (os freqüentadores e comerciantes locais) e deveria levá-lo até o local apropriado, o latão de lixo, que deve ficar longe da praia, sendo posteriormente recolhido pela companhia de lixo ou algo parecido. O trator é acusado por surfistas locais de estar dificultando o trabalho do mar na “construção” dos bons fundos para o surfe, além de estar ajudando a enterrar o lixo pequeno, como tampas de garrafa e pontas de cigarro, que escapam às garras da máquina.
A falta de infra-estrutura do bairro que concentra o supra sumo da elite niteroiense, que, além de ter uma praia, só tem uma entrada e uma saída, é um dos problemas identificados por Guilherme Herdy. “Apesar da beleza mundialmente conhecida, Itacoatiara não tem banheiros públicos”, denuncia Branquelo. É preciso que se defina qual é a prioridade em termos de preservação em Itacoatiara: a natureza e o seu desenvolvimento sustentável ou a privacidade dos moradores. Uma série de ações está sendo colocada em prática para preservar o ambiente natural do bairro, algo que merece a atenção e a fiscalização de quem gosta de freqüentar o lugar. Itacoatiara é uma praia que ainda tem restinga, vegetação importante não só para o equilíbrio ambiental do pico e permanência de suas ondas, mas fundamental para que o mar não avance pelo bairro, derrubando as casas que ficam de frente para o mar. Outra praia da cidade, Piratininga, também dava boas ondas. Isso ficou muito raro depois que uma obra de urbanização não respeitou a vegetação da restinga, que não existe mais. Hoje, em grande parte de Piratininga, criou-se um abismo entre o calçadão e a praia, e o surfe foi praticamente aniquilado. A ONG Preamar luta pela construção de um arrecife artificial por lá, algo que, além de proporcionar ondas perfeitas, pode revitalizar o bairro, social e economicamente.
Nova Geração
Para Guilherme Herdy, as novas safras de surfistas saídos de Itacoatiara surgem quando os garotos estão com cerca de 14 anos. Talvez isso aconteça justamente pelo tamanho e força das ondas, mais difíceis para a criançada. Com o trabalho da Associação de Surfe de Niterói nos últimos anos, uma nova geração de surfistas da cidade vem despontando no cenário competitivo amador. Como atualmente as etapas da ASN são realizadas em Itacoatiara, essa molecada vai se familiarizando com o pico. Em 2007, Danilo Souza foi o campeão estadual Pré-petit; e Matheus Rodrigues foi o campeão na Petit, com Luca Nolasco terminando com a terceira posição no ranking estadual da categoria. A associação municipal de surfe, fundada em 1980 e liderada por surfistas da cidade vem fazendo um trabalho específico com as categorias de base, promovendo competições fechadas para os pequenos surfistas de Niterói. Tatuí, Guilherme Herdy, Sodré, Bruninho etc. vieram daí! Há 28 anos a ASN promove o seu circuito de surfe! Esse é um fato que conta com a contribuição de muitos surfistas, alguns que já estão fora d’água há um bom tempo, mas não deixam de estar em Itacoatiara, aproveitando o astral de uma das praias mais bonitas do mundo.
Isso é Itacoatiara!
Há décadas atrás, o localismo era uma marca da praia, mais um fator que fazia sua fama, uma combinação de surfe pesado com localismo violento. Muitas vezes, essa prática acontecia contra os próprios niteroienses, não residentes no bairro. O escrito “FORA HAOLES”, por muitos anos estampado na pedra do Costão, no canto esquerdo da praia, e divulgado em fotos ao redor do país, foi se apagando. O localismo de Itacoá foi se modificando com o tempo, com a transformação de uma cidade provinciana em franco aumento populacional. Em termos gerais, a fama do localismo como uma prática saudável que justificava o desrespeito também foi perdendo força. Pelo menos essa semelhança com o Havaí Itacoá não tem mais. Hoje, são considerados locais os niteroienses que conhecem, cuidam e gostam de surfar no pico, sem é claro tirar o mérito de alguns que realmente têm a praia como o quintal de suas casas, o que é um verdadeiro privilégio. O amor por Itacoatiara ultrapassou os limites do bairro, as barreiras do localismo e até mesmo o surfe. Itacoatiara é uma espécie de amuleto de um grande número de niteroienses, surfistas ou não, amantes dos esportes do mar ou apenas jogadores de futebol de areia no meio da praia. Ou, simples banhistas. Famosa é também a concentração de mulheres bonitas por metro quadrado de areia, uma unanimidade, mesmo para os que estão torcendo o nariz para quem acha que Itacoatiara está entre as duas ou três mais pesadas ondas do Brasil. Ricardo Bocão, que conheceu Itacoatiara na década de 70, por causa das competições, diz que, nos anos 60 o surfe rolava no Arpoador e, no início dos 70, surgiu o Píer de Ipanema, que funcionou por aproximadamente três anos. “A onda do píer era bem mais forte e cavada do que a onda do Arpoador e acabou por funcionar como um treino para o surfe em lugares como o Havaí, mas a onda de Itacoatiara é ainda mais forte do que a do píer”, afirma o big rider e colunista da Fluir, profundo conhecedor do surfe brasileiro.
“Isso é Itacoatiara!”, ou, “Por isso a gente vem aqui todos os dias possíveis!”. Essas são algumas das frases que você escuta dentro d’água quando o mar está bom ou, às vezes, quando está clássico. Definitivamente, o que dá o contorno desta mística é o mar de sudoeste, quando a ondulação chega na diagonal em relação à praia, com aquela água translúcida e quente da corrente de sul, com o pico do Pampo entregando a cada série direitas muito fortes, em triângulo, atrás da pedra, ali no canto direito, manobráveis e tubulares. Uma pista que seria certamente apreciada pelos melhores surfistas do mundo. Essa é a mágica. Bruninho acha até complicado falar de Itacoatiara, “porque é a minha onda preferida e mesmo quando eu estou na Indonésia ou no Taiti e algum amigo diz que Itacoatiara está clássico, a minha vontade é de voltar na hora! Só quem já surfou lá nos dias realmente clássicos sabe o que estou falando”. Isso é Itacoatiara!
A experiência de conseguir aproveitar por seguidas vezes as direitas do Pampo (de sudoeste é claro); as ondas “buraco” do “meio da praia” (com direitas e esquerdas) ou as esquerdas do Costão, no canto esquerdo, ainda que isso exija uma boa freqüência, é o que torna um surfista aficionado. Para não dizer completamente apaixonado por Itacoatiara. Nunca é amor à primeira vista. Surfar em Itacoá não é assim tão simples, há que se pegar o jeito.
Mas é amor verdadeiro, pra vida toda.